Mas de nada vale afastar as causas da tristeza pessoal, quando tantas vezes nos assalta a repulsa pelo género humano e vemos tantos crimes bem sucedidos. Quando pensas quão rara é a humildade e quão invulgar é a inocência; como é curta a lealdade, excepto quando é diligente; que a licenciosidade tem tantas vantagens como prejuízos; e que a ambição, indo para além dos seus próprios limites, acaba por brilhar através da sua ignomínia; a alma entra na noite e, subvertidas as virtudes, parece que nada se deve esperar delas e que nada se aproveita em cultivá-las; e as trevas levantam-se. Por isso, devemos esforçar-nos por encarar todos os vícios vulgarmente praticados não como detestáveis, mas sim como ridículos, e devemos imitar Demócrito mais do que Heraclito: de facto, sempre que apareciam em público, este último chorava, e o outro ria; um via mágoa em tudo o que se fazia; o outro via disparate. Peguemos, pois, nos fardos e carreguemo-los de ânimo leve: é mais humano troçar da vida do que lamentar-se dela.
Séneca, A felicidade e a tranquilidade da alma, Ésquilo edições, Lisboa, 2006